Nostalgia de Natal
É em Dezembro que mais ouvimos falar em magia ou em milagres. É em Dezembro que apesar da crise, todas as famílias tentam – e muitas conseguem – colocar um sorriso no rosto e partilhar uma refeição com a família desfrutando do chamado espírito Natalício. E foi também em Dezembro que eu apanhei a minha primeira grande desilusão…
Sempre fui um fã incondicional de magia e do fantástico, por isso é fácil perceber o que o Natal significou em tempos para mim.
Um homem gordinho, com umas barbas enormes, muito ao estilo de qualquer feiticeiro de uma história que se prese, passa o ano inteiro a controlar quem se porta bem e quem se porta mal. Durante a maioria do ano, nunca me lembrava de tal pessoa, mas quando Dezembro chegava a dúvida instalava-se em mim.
“Será que me portei bem? Será que este ano mereço receber uma prenda? E será que desta vez eu o consigo ver?”
Estas eram as perguntas que se instalavam em mim. E quanto mais próximo do final do mês estávamos, mais bem comportado eu me tornava.
Lembro-me que nesta altura se juntava toda a família, pelo menos aqueles de quem eu realmente gostava, e sortudo como sou tenho um primo da minha idade que partilhava das mesmas dúvidas que eu!
A véspera de Natal chegava e o caos instalava-se!
Ah e como eu adorava aquele caos… A cada hora que passava a casa enchia-se com os aromas dos diferentes doces que a minha mãe e a minha avó faziam! O copo de Coqui quentinho fazia as minhas delicias e acalmava a minha fome de doces e sobremesas. A cada visita que chegava o monte com prendas de baixo da árvore de Natal crescia.
Nesse dia tanto eu como o meu primo nos esquecíamos que tínhamos de nos portar bem, a tentação era demasiado grande, já para não falar do desafio que era descobrir quais as nossas prendas e tentar adivinhar o que elas continham!
Foi em 1997 que recebi a minha melhor prenda do Pai Natal!
Nesse ano a festa foi em minha casa. A lareira estava acesa e o ambiente não podia ser melhor.
Eu e o meu primo estávamos na nossa já habitual demanda para tentar descobrir o que iriamos receber. E então o relógio indicou a meia-noite.
Impacientes, corremos para a árvore de Natal e começamos a vasculhar a pilha de prendas para encontrar as nossas. Mas antes de conseguirmos abrir a primeira, ouvimos o tão esperado “HO HO HO”.
O Pai Natal tinha chegado! E trazia mesmo um saco de prendas com ele, que depressa começou a distribuir. Quando chegou a minha vez disse:
– Desculpa, mas a tua prenda não coube no saco, tive de a deixar no caminho.
A desilusão foi enorme. Como podia um ser mágico como o Pai Natal não conseguir enfiar a minha prenda no saco?! Algo estava errado.
Mas tive pouco tempo para pensar sobre isso pois logo de seguida ele disse: – Anda cá fora, acho que vais gostar de ver isto.
Com o coração aos pulos corri lá para fora e vi, encostada ao portão da garagem, uma bicicleta. E não era uma bicicleta qualquer! Era uma bicicleta das grandes, sem rodinhas e tudo!!!
Não resisti, tive de a experimentar! Corri para ela, montei-me e comecei a pedalar.
Era maravilhosa! Muito mais difícil de manter direita, claro, mas mesmo assim maravilhosa! Claro está que não me consegui equilibrar durante mais de 1 metro e pouco, acabando estatelado no chão a chorar.
E foi assim que começou a minha primeira grande desilusão. Não por ter caído, mas porque o Pai Natal correu para mim para me ajudar e assegurar-se de que eu estava bem, e eu vi-os… Os olhos do Pai Natal eram verdes, iguaizinhos ao do meu pai. Olhei para baixo e vi o mesmo relógio que a minha mãe lhe tinha oferecido pelos anos apenas dois meses antes, e como que para confirmar as minhas suspeitas, também os sapatos eram iguais aos que o meu pai estava a usar nessa noite…
Foi pouco depois da meia-noite de 24 de Dezembro de 1997, que eu descobri que o Pai Natal não existia.
Fui para dentro de casa, ainda a chorar, não tanto pela ferida minúscula que tinha na mão, mas pela desilusão que apenas uma criança que acredita poderia sentir.
Quando me perguntavam o que tinha acontecido eu encolhia os ombros, dava um valente golo no meu copo de Coqui e respondia: – Caí…
Nessa noite não disse nada ao meu primo, e só muito tempo depois descobri que os seus colegas de escola também lhe tinham contado que o Pai Natal não existia…
Aos poucos a magia do Natal foi desaparecendo e eu nunca cheguei a sentir realmente a sua falta outra vez.
No entanto este ano, tive de ir ao supermercado comprar as coisas para a ceia e para o Dia de Natal, e vi algo que me encheu de nostalgia:
Um menino, com quatro ou cinco anos, agarrado ao pai, a pedir-lhe, a suplicar-lhe para que ele lhe comprasse um brinquedo para o Natal. O pai com ar severo respondeu, para desespero da criança, que se ele se tivesse portado bem, o Pai Natal iria trazer-lhe isso no saco.
Assim que o rapaz virou a cara, o pai ciente de que eu os estava a observar, sorriu e apontou para a mãe que saia discretamente com o dito brinquedo em direção à caixa.
Fiquei surpreendido com o que senti na altura, não pude evitar que um sorriso pateta se me espalhasse pelo rosto, ao rever-me naquele menino.
Sei que esta não é das histórias de Natal mais interessantes alguma vez contadas, nem a mais surpreendente, e muito menos a mais fantástica, mas foi esta a história que me fez perceber: este Natal eu desejo acima de tudo que daqui por uns anos, eu consiga fazer com que os pequenotes da família acreditem tanto como eu acreditei. Mesmo que isso implique sofrerem o desgosto que eu sofri.